SIDHARTA by Herman Hesse

SIDHARTA by Herman Hesse

Author:Herman Hesse [SIDARTA]
Language: eng
Format: epub
Published: 2013-11-01T14:12:48+00:00


À BEIRA DO RIO

Sidarta caminhava pela floresta, já muito longe da cidade. Tinha certeza de uma única coisa: que nunca mais poderia voltar atrás, que essa vida que levara por longos anos, pertencia ao passado, definitivamente, que a saboreara, chupando até a última gota, até enjoar.

O pássaro canoro com o qual sonhara estava morto. Morto estava o pássaro que cantara no âmago da sua alma. Por todos os lados, enredara-se no Sansara. Impregnara-se completamente de nojo e de morte, assim como uma esponja absorve a água, até ficar cheia. Sentia-se abarrotado de desânimo, de mal-estar, de agonia. Em todo o vasto mundo já não existia nada que o pudesse atrair, que fosse capaz de causar-lhe alegria e de trazer-lhe conforto.

O que ele almejava mais do que tudo era não saber nada que lhe dissesse respeito, era encontrar sossego, estar morto. Oxalá que um raio se abatesse sobre ele, matando-o! Quem lhe dera que um tigre o devorasse! Ah, se houvesse um vinho, um veneno que conseguisse atordoá-lo! Existia, por acaso, alguma sordidez com que ele se não houvesse poluído, alguma tolice, algum pecado que se tivesse omitido de cometer, algum vazio da alma jamais experimentado por seu espírito? Seria possível ainda continuar a viver, aspirar o ar uma e outra vez, expeli-lo novamente, sentir fome, comer, dormir, deitar-se ao lado de uma mulher? Não se haviam esgotado as variantes do circuito? Ainda não estaria alcançando o fim de tudo isso?

Sidarta chegou ao grande rio, que passa pela selva, o mesmo rio que um balseiro o ajudara a transpor, quando o então jovem vinha da cidade habitada por Gotama. Ali se deteve. Indeciso, permanecia de pé, à beira d'água. Estava debilitado pela fome e pelo cansaço. Para que prosseguir na caminhada? Em que direção? Com que destino? Não, já não o aguardava nenhum destino. Nada mais havia a não ser o profundo e doloroso desejo de livrar-se daquele pesadelo confuso, vomitar esse vinho nojento, acabar com tal vida miserável, ignominiosa.

Por cima da ribeira inclinava-se uma árvore, um coqueiro. Sidarta encostou o ombro na madeira. Agarrando-se ao tronco, cravou os olhos nas verdes águas que corriam lá embaixo, sempre e sempre. Almejava de todo coração desprender-se, afogar-se naquele rio, em cuja superfície se espelhava um vazio tremendo, qual reflexo do pavoroso vazio de sua própria alma. Sim, ele, Sidarta, estava no fim. Não se lhe descortinava outra solução que não a de extinguir-se a si mesmo, de quebrar o malogrado molde da sua existência, de jogar os cacos fora, bem longe, aos pés dos deuses que zombavam dele. Sentia que esse era o momento do grande vômito pelo qual ansiara: a morte, a dilapidação da forma odiada! Que os peixes devorassem o corpo de Sidarta, desse cão, desse louco, que engolissem esse cadáver depravado, podre, essa alma langorosa, violentada! Quem lhe dera ser comido por peixes e crocodilos, ser dilacerado pelos demônios!

Com o rosto crispado, fitava as águas. Contemplou a sua fisionomia no espelho e cuspiu nela. Terrivelmente fatigado, soltou a árvore. Empertigou-se um pouco, a fim de lançar-se numa queda vertical que o levasse ao ocaso definitivo.



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